«Chamo-me Fernando Pereira, e sou assinante da Motociclismo. A minha dúvida consiste em saber o que posso fazer em relação a uma multa referente a Agosto de 2007, nesse dia estava com uns amigos na Expo e quando viemos embora pela rotunda de Moscavide, pelo viaduto para apanhar a 2ª circular, a PSP tinha o carro radar escondido à saída do mesmo e disparou o flash. Algumas dezenas de metros à frente fomos mandados parar, mas quando o agente tentou identificar o infractor em comunicação com o carro radar, este foi inconclusivo dizendo que não foi possível verificar a matricula, devido à velocidade. Para mal dos meus pecados, eu era o que estava mais perto do agente e apesar dele ter visto que eu tinha ouvido a conversa pelo comunicador, ele vira-se e diz que fui eu o infractor. Paguei a caução (500€) mas como depósito e fiz uma exposição ao Governo Civil nos 15 dias que se seguiram, até hoje não recebi nenhuma carta do IMTT, de sanção ou pena. Ora aqui está a minha dúvida qual o tempo para a prescrição, e como agir, visto que me informaram que caso não receba nada até à prescrição da mesma posso pedir para ser ressarcido do montante da coima.
Caro Fernando,
Esta coluna não tem espaço para incluir toda a análise sobre o regime da prescrição contido no Código da Estrada após Fevereiro de 2005. Colocarei tal matéria muito brevemente no Moto.Lex. Aqui adiantarei apenas o seguinte: neste caso, prescrição é a extinção do direito que o Estado tem de perseguir o responsável pelo cometimento de uma contra-ordenação pelo decurso de determinado período de tempo. O DL 44/2005 de 23.02 alterou o regime prescricional que o CE estatuia para as contra-ordenações estradais que remetia para o Regime Geral das Contra-ordenações. Por motivos de celeridade processual foi criado um regime próprio de contagem do prazo que simplificou o geral, estatuindo um prazo único de dois anos, sem quaisquer interrupções ou suspensões (aplicar as suspensões e interrupções do regime geral iria contra o espírito da lei que explicitamente declarou pretender a celeridade - vide preâmbulo do citado diploma).
Assim sendo, tal como redigiu uma exposição à entidade administrativa poderá agora endereçar à que lhe sucedeu nas competências - ANSR - requerimento para a devolução do depósito.»
in Motociclismo nº 222, Out.2009
Desenvolvimento do artigo:Não resisto a partilhar convosco o despacho proferido no Proc. nº 6176/06.6TFLSB que correu termos pela 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o qual, pela sua clareza, resume toda a questão e resolve-a:
"Questão Prévia
Da Prescrição do Procedimento contra-ordenacional
O arguido Mário Joaquim de Matos Francisco recorreu da decisão da autoridade administrativa que o condenou pela prática de uma contra-ordenação rodoviária no dia 06/07/2005.
Importa determinar se a responsabilidade contra-ordenacional já prescreveu.
De acordo com o estatuído no artº 188º do Código da Estrada «O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se, por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação tenham decorrido dois anos».,
Assim, como desde a prática da contra-ordenação sub judice já passaram dois anos, há que decidir se tal circunstância basta para que o correspondente procedimento seja declarado prescrito ou se, pelo contrário, temos de ponderar a aplicação das causas de interrupção e suspensão do prazo prescricional previstas no regime geral das Contra-ordenações (RGCO 1) para concluir pela manutenção do procedimento.
A ponderação destas duas vias impõe-se, desde logo, porque o artº 132º do CE diz-nos que : «As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.»
Não se trata aqui de apurar se há uma lacuna na lei, pois o legislador enunciou um outro diploma como sendo subsidiariamente aplicável 2, mas trata-se, isso sim, de determinar se se pretendeu regular no Código da Estrada o instituto da prescrição de forma completa e esgotante.
Antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, o Código da Estrada nada estatuía acerca da prescrição das contra-ordenações rodoviárias. Por tal motivo, aplicava-se subsidiariamente o disposto nos artºs 27º e seg. do RGCO, quer no que respeitava aos prazos de prescrição (na generalidade, um ano, atentos os valores das coimas), quer quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Com a última reforma do Código da Estrada, existe agora um capítulo reservado à matéria da prescrição, integrado no título dedicado ao processo (artºs 188º e 189º).
Se o legislador pretendesse apenas fixar um prazo de prescrição diferente do consagrado no regime geral, então teria acrescentado que se aplicariam as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas na lei geral das contra-ordenações, como disse, por exemplo, no artº 186º do CE (quanto aos recursos).
Porém, não nos parece ter sido essa intenção do legislador.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 9º Código civil «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada»
Assim, socorrer-nos-emos da parte do preâmbulo do Decreto-Lei nº 44/2005 de 23.02, que importa para divisar qual o pensamento legislativo sobre a matéria:
«… Por outro lado, e porque as infracções ao Código da Estrada são actualmente infracções cometidas em massa e com especificidades próprias, para assegurar um incremento da eficácia do circuito fiscalização/punição, importa introduzir um conjunto de alterações ao nível da aplicação das normas processuais, porquanto verifica-se que a aplicação das normas do regime geral das contra-ordenações a este tipo de infracções permite o prolongamento excessivo dos processos, com a consequente perda do efeito dissuasor das sanções.
Pelo que se mostra necessário a introdução de normas processuais específicas, visando conferir maior celeridade na aplicação efectiva das sanções, de forma a reduzir significativamente o tempo que decorre entre a prática da infracção e a aplicação da sanção. »
Julgamos inequívoco, portanto, que o legislador quis fixar a prescrição do procedimento por contra-ordenações rodoviárias em dois anos, simplificando a contagem de prazos, mas nunca pretendeu aumentar os prazos prescricionais que, a aplicarem-se os regimes da interrupção e da suspensão previstos na lei geral, poderiam prolongar-se por 3 anos e 6 meses, mesmo numa contra-ordenação leve.
Assim, considerando que os factos ocorreram, segundo a autoridade administrativa no dia 06/07/2005 e que já decorreram dois anos sobre tal data, ao abrigo do disposto no artº 188º do Código da Estrada, declaro extinto por prescrição, o procedimento contra-ordenacional contra o arguido. "
Assim, o conselho que vos posso dar é: se acaso considerarem injusta uma autuação, não deixem de a contestar já que, pelos atrasos do sistema, acabam por ganhar, nem que seja por efeito da prescrição.
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