Blog dedicado ao Direito e aos motociclos. As questões aqui colocadas e as respostas dadas não constituem nem deverão ser entendidas ou confundidas com qualquer espécie de procuradoria ou mandato. As respostas tentarão ser escla­recedoras mas serão meramente indicativas, não substituindo nem dispensando a consulta de advogado quando delas dependa a defesa judicial ou extra­judicial de direitos, ou a composição de interesses e resolução de litígios concretos.

Friday, August 24, 2012

Lei dos Rails - alcance


Estive a ler a Lei dos Rails (Lei 33/2004 de 28.07) e o seu Regulamento (Decreto Regulamentar nº 3/2005 de 10.05) e fiquei com uma dúvida que antes não tinha. Quando a Lei saiu fiquei com a ideia que se estabelecia a obrigação de proteger todos os prumos de todos os rails, presentes e futuros, das nossas estradas, muito embora se estabelecessem dois prazos para que isso sucedesse, um mais curto para os dos rails situados nos "pontos negros" e outro mais alargado para os restantes. Agora que leio o regulamento fico com a ideia de aquilo que se chamava de "restantes situações" estar restringido a um pequeno número de rails. É impressão minha ou saiu furada a Lei ?

João Bastos - Lisboa

Vamos por partes. A Lei estabelece no  artigo primeiro o seu objecto, elegendo um objectivo geral  «a obrigação de as guardas de segurança nas vias de comunicação públicas rodoviárias, integradas ou não na rede rodoviária nacional, contemplarem a segurança dos veículos de duas rodas, » e outro especial «principalmente nos pontos negros das rodovias».

Correndo o risco de parecer inútil apontá-lo não é despiciendo assentar explicitamente que esta Lei versa sobre 1 - guardas de segurança (vulgo rails) como equipamento rodoviário e na sua totalidade, i.e. todos os rails de todas as estradas  e 2 - a obrigação de este equipamento contemplar a segurança dos veículos de duas rodas (motociclos, velocípedes e bicicletas).  É importante entendê-lo à partida já que a Lei, depois de fixar o seu objecto, a elas não volta a referir-se explicitamente passando a apontar todas as obrigações quanto às protecções de que as guardas devem estar dotadas esmiuçando com grande detalhe o cumprimento do objectivo especial. Este esmiuçar de detalhes compreende-se se atentarmos no facto de ser matéria nova, nunca antes legislada, bem como no facto de a Lei estabelecer, para os rails já existentes, dois momentos temporais para o seu cumprimento, conforme se trate da generalidade dos rails ou dos situados nos pontos negros das rodovias, erigidos em objectivo especial. De facto, se para os rails a existir (as vias a contratualizar referidas no nº 4 do artº 3º) a obrigação de colocar as protecções em todas as guardas é imediata, para os existentes a transformação é faseada e os momentos são dois: 1º - Nos pontos negros das rodovias (...) no prazo de um ano a contar da publicação da sua lista a divulgar pela DGV e PRP; 2º - Nas restantes situações, no prazo de três anos a contar da entrada em vigor da presente lei (que foi em 29.07.2004).

O Dec. Reg. 3/2005, como que padecendo de um erróneo pressuposto original, desde a sua primeira linha constrange o alcance do estatuído na Lei. Inicia «A Lei 33/2004, de 28 de Julho, torna obrigatória a colocação de protecções nas guardas de segurança existentes nos «pontos negros» e em outros pontos de maior risco das vias públicas». Claramente não foi só aos pontos negros e a outros de maior risco que a Lei estendeu a obrigação de protecção mas a todos. Por maioria de razão, sob pena de absurdo, ao obrigar à protecção de todas as guardas de segurança nas vias futuras por «as guardas de segurança semiflexíveis, quando desprotegidas, podem constituir perigo para aqueles utentes, máxime para os motociclistas» (consta do preambulo do regulamento) não faria sentido deixar de fora milhares de quilómetros de guardas admitidamente perigosas. 

Registámos, assim, a primeira nota do desrespeito que o Dec. Reg., emanado pelo Governo, tem em relação à Lei, aprovada por unanimidade na Assembleia da República,  cujo regime pretende desenvolver. O corolário deste desrespeito culmina no seu artº 7º quando parece pretender restringir o universo designado por «restantes situações», que na Lei era constituído por todas as guardas de segurança não situadas em pontos classificados como negros, a um pequeno e restritíssimo número de casos tecnicamente definidos. A ser assim, subvertido fica, como dizes, todo o espírito que norteou a feitura da Lei. Em nossa modesta opinião este desrespeito é inconstitucional já que a Constituição da República Portuguesa obriga a que as leis inferiores respeitem as superiores. Já foi dirigida ao Provedor de Justiça uma queixa sobre o assunto.

in Motociclismo nº 173 de Setembro 2005

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