Blog dedicado ao Direito e aos motociclos. As questões aqui colocadas e as respostas dadas não constituem nem deverão ser entendidas ou confundidas com qualquer espécie de procuradoria ou mandato. As respostas tentarão ser escla­recedoras mas serão meramente indicativas, não substituindo nem dispensando a consulta de advogado quando delas dependa a defesa judicial ou extra­judicial de direitos, ou a composição de interesses e resolução de litígios concretos.

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Saturday, January 18, 2014

Mediação de Conflitos

O mês passado prometi que vos falaria de Mediação de Conflitos e vou cumprir (*). A mediação não envolve bruxaria nem encantamentos. Trata-se apenas de acolher as partes (pessoas que têm alguma questão relativamente à qual ainda não estão de acordo) num ambiente protegido (normalmente uma sala de reuniões com uma mesa redonda onde cada um se senta onde bem lhe aprouver) a fim de que possam falar uma com a outra. Protegido, porque absolutamente confidencial (nada do que lá for dito ou feito sai daquelas quatro paredes nem o mediador pode ser chamado a testemunhar o que seja que lá se tenha passado), protegido porque autónomo em relação a qualquer processo judicial e protegido porque ajudado por um terceiro, o mediador, que é um profissional liberal totalmente independente, quer das partes quer de qualquer Tribunal, que mais não faz que ajudar as partes a estabelecer o diálogo. Não dirige, não aconselha, não analisa situações à luz de critérios técnicos, não influencia o andar da conversa de forma alguma, a não ser para a conter nos limites da urbanidade e da utilidade (embora aqui o critério seja muito lato - se as partes querem falar de algo, ainda que lateral, não se as impede). Se necessário for algum parecer técnico, chama-se quem for necessário (advogado, electricista, pedreiro, arquitecto...) que é muito bem vindo. O grande esforço do mediador, aliás, é a todo o momento identificar as suas próprias ideias, que se vão formando no decorrer da conversa, e afastá-las. Porque da vida das partes sabem as partes e não o mediador, as suas próprias ideias não interessam para a conversa, devendo permanecer absolutamente neutro.

A grande maravilha deste processo é que, com a conversa, as pessoas, que antes estavam empedernidas atrás das suas posições como em fortificações inexpugnáveis, passam a ouvir-se e, ao ouvir-se, passam a compreender-se e passam a discutir os seus interesses (ao invés de posições) e, ainda que não estejam de acordo uma com a outra e não cheguem a nenhum acordo nessa altura (e a mediação não oferece garantia de acordo) este passar a compreender-se cria pontes para o entendimento futuro e, em estando ambas partes de boa-fé, apazigua, remove toda a crispação. Ao sair das posições e passar a investigar os interesses de ambas podem as partes descobrir pontos de interesse comum em lugares antes insuspeitados. Pode-se pensar "fora da caixa". Dou-vos o exemplo, de minha predilecção, de duas pessoas que discutiam a posse de uma laranja. Fossem buscar a solução junto do sábio Rei Salomão e zás.... laranja ao meio, metade para cada um, ou seja, 50% de contentamento. Tivessem ido à mediação e falado um com o outro, talvez tivessem chegado à conclusão de que um estava interessado na laranja pela casca,, para a cristalizar e meter no Bolo Rei, e o outro interessado na laranja pelo sumo que lhe queria beber, podendo reparti-la ambos conforme os seus interesses numa divisão que os contentaria a 100% cada um. Mas isto só se descobre falando, partilhando informação.

No fim, em tendo construido suficientes "pontes douradas" (pontos de entendimento), passa-se à redacção de um acordo, momento em que são de importância curial os advogados das partes, pelo saber e responsabilidade profissional que aportam, acordo que, modernamente, pode constituir título executivo tal como uma sentença.

 Resumindo, a mediação não oferece garantias mas é um poderoso meio de resolução de conflitos e uma extraordinária ferramenta para os advogados. Para o mês que vem falo dos Julgados de Paz (onde funciona um Serviço de Mediação).

in Motociclismo nº 236 de Dezembro/2010 (revisto e actualizado a Janeiro de 2014)

Sunday, February 3, 2013

De Herodes a Pilatos


Uma nossa companheira do asfalto contactou-nos no sentido de saber que melhor caminho poderia tomar quanto a esta situação:

«Circulava (...) em Lisboa, (...) e para conseguir contornar outros buracos e os carris, não consegui evitar que a roda traseira passasse por um buraco localizado mesmo ao lado de um carril do eléctrico, que, segundo a CARRIS está desactivo há mais de 10 anos. Este facto causou o meu desequilíbrio e a consequente queda na via pública da qual resultaram danos no motociclo e em mim (...).

A situação foi reportada através de requerimento apresentado à Câmara Municipal de Lisboa. Após muitos contactos telefónicos da minha parte acabei por ser esclarecida que o caso ia ser encaminhado para a CARRIS. A Câmara Municipal de Lisboa alegou que a CARRIS tem a responsabilidade de manutenção da faixa que compreende a largura do carril e os 50 cm. de distância para lá dos dos carris do eléctrico, no sentido exterior dos mesmos até ao passeio.

Contactei a CARRIS via telefone e, apesar de terem recebido o processo encaminhado pela Câmara Municipal de Lisboa, pediram-me que descrevesse a situação por mail. Assim, enviei mail bem como uma carta registada com aviso de recepção.

Recebi via e-mail a seguinte resposta a 15 de Setembro de 2010:
" (...) cumpre-nos informar que o buraco na via que provocou a sua queda e de que resultaram os danos que nos reclamou, se encontra adjacente a um carril de circulação de eléctricos desactivado e fora de exploração e de serviço há mais de 10 anos.
Assim, face ao disposto no Decreto-Lei 688/73, Base V, nº. 9, não é à Carris que compete a conservação da via em bom estado.
Deste modo, não nos é possível dar seguimento à sua reclamação."»

Cara companheira,

Entre dois elefantes e uma formiga, quem é mais pequeno ? A formiga, claro. Por isso existe a lei que se deve aplicar por igual a elefantes, formigas e todos os outros animais da Criação. Os elefantes, para minorar o sucesso do grande número de reclamações que recebem,  resolveram aplicar um sistema muito antigo, que já S. Lucas no seu Evangelho referia (Lucas, 23; 6-7), vulgarmente conhecido como  "chuta para o lado", na esperança de, pela exaustão, vencerem as laboriosas formiguinhas. A única forma de derrotar este "sistema" é perseverar até à vitória (ou derrota) final. Quem baixar os braços, já perdeu.

No caso vertente, já que tanto Carris como Câmara Municipal de Lisboa enjeitam responsabilidades e os argumentos que desenvolvem mais parecem desculpas de mau pagador, porque não demandar ambas ? Ou seja, meter uma acção contra ambas. O Juíz que decida se é de uma ou de outra (ou de ambas ou nenhuma). E, porque os Tribunais Judiciais são caros e lentos, porque não pôr essa acção no Julgado de Paz (se o valor não ultrapassar os € 5.000,00) ? Têm como vantagem o baixo custo (€ 35,00 de taxa de justiça) a precedência de uma fase de mediação (para o mês que vem explico esta com mais detalhes) e a celeridade do procedimento. Em 2 ou 3 meses têm uma decisão. Se, por qualquer razão, não for possível colocar a acção num Julgado de Paz, sempre pode solicitar a intervenção extra-competência do Serviço de Mediação do Julgado de Paz (deste não sairá com um acordo- sentença mas pode sair com um acordo particular). 

Em qualquer dos casos aconselho a consulta de advogado. David ganhou sozinho mas Golias era só um também e, entretanto, a vida complicou-se (desta vez deu-me para a Bíblia, que querem ?).

in Motociclismo nº 235  de Nov/2010