Blog dedicado ao Direito e aos motociclos. As questões aqui colocadas e as respostas dadas não constituem nem deverão ser entendidas ou confundidas com qualquer espécie de procuradoria ou mandato. As respostas tentarão ser escla­recedoras mas serão meramente indicativas, não substituindo nem dispensando a consulta de advogado quando delas dependa a defesa judicial ou extra­judicial de direitos, ou a composição de interesses e resolução de litígios concretos.

Wednesday, April 20, 2011

Garantia

O nosso companheiro e leitor Leopoldo Cardoso, comprou um motociclo novo. Aos 14.000 Km. com a moto em garantia, o escape avariou, partiu o catalisador, tendo que ser substituído. Este Verão, tendo a moto 24.000 Km tornou a acontecer, o catalisador do escape partiu. No concessionário oficial, foi-lhe explicado que as peças trocadas em garantia, não têm garantia, tendo ele que pagar o novo escape. Esgrimiu com a lei tendo-lhe sido respondido que a interpretação dos juristas da marca não era aquela e que as suas pretensões não seriam atendidas.

Tem esta questão a ver com a Lei do Consumidor (DL n.º 67/2003, de 8 de Abril) que sofreu alteração importante em 2008 (DL 84/2008 de 21 de Maio) introduzindo, quanto a este mesmíssimo problema que aflige o Leopoldo, um alargamento do direito do consumidor quando altera a redacção do artº 5º (Prazo da garantia) introduzindo-lhe um nº 6 que reza «Havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respectivamente, de bem móvel ou imóvel.»

Isto quer dizer que, ao abrigo da nova redacção, os bens substituídos em resultado de accionamento da garantia estão garantidos por idêntico prazo. Surgem-nos duas questões a este propósito: 1 - qual o regime dos bens originalmente comprados antes de Maio 2008 mas substituídos após essa data em função de reparações ao abrigo da garantia ? 2 - actualmente, no que toca a bens compostos, como os motociclos (grande conjunto de múltiplas peças), devemos considera-los como um único bem ou decompô-lo nas suas partes e considerar cada peça como um bem ? A ambas questões a resposta está por dar, ou melhor, vai sendo dada mas ainda não há entendimento definitivo.

No que toca à 1ª questão já o Tribunal da Relação do Porto considerou, no seu Acordão de 9.Jul.2009 que os bens adquiridos ao abrigo do regime primitivo não beneficiam da renovação da garantia. Porém não somos obrigados a concordar e nunca se sabe o que outro Juiz, nesse ou noutro Tribunal pode entender, sendo que em primeira instância havia sido dada razão ao Autor da acção.

Quanto à segunda é precisamente no conceito global de veículo como bem que as marcas se respaldam para limitar o alcance da lei. Cumpre ao consumidor não permitir que este entendimento vingue e lançar mão de todos os meios ao seu alcance para tornar geral e pacífica a noção de «cada peça, cada bem». Antes dos Tribunais (último meio) existem outras entidades, integrantes ou não do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que podem opinar, pressionar, decidir ou mesmo multar em nossa defesa.


in Motociclismo nº 225 (Janeiro 2010)

Saturday, February 26, 2011

Cidades - que estacionamento

Já em Fevereiro de 2006 (Motociclismo nº 178) expendi sobre este tema, do estacionamento em zonas de duração limitada, retomando-o agora, já vão ver porquê.

Embora o Código da Estrada tenha sido alterado e o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento Limitado também tenha sido substituido, agora como então, numa leitura literal da lei, em Zonas de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL) os motociclos estão autorizados a estacionar mas apenas nas áreas que lhe estão reservadas (artº 39º al. b do Regulamento Geral das ZEDL) sob pena de incorrer em contraordenação leve sujeita a coima de € 60 a € 300 (artºs 50º nº 1 al. f) e 71º nº 1 al. c e nº 2 al. b) do CE) arriscando remoção se não tiver pago a taxa (artºs 163º nº 1 al. c) e 164º nº 1 al. a) do CE) o que os motociclos nem sequer podem fazer. Nesta interpretação, aliás redutora, da Lei se a zona reservada estiver totalmente ocupada, ou procura outra ou não estaciona.

Se a letra da lei não mudou então porquê voltar a falar disso ? É que outros factores mudaram:
1- da autoria da Assembleia da República foi recentemente alterado o Código da Estrada (artº 123º) no sentido de permitir a condução de motociclos até 125cc por parte dos detentores de carta de automóvel, alegando-se motivos ecológicos, de saúde publica, de qualidade de vida das populações, de combate ao caos do trânsito, de apoio à mobilidade, ou seja, foi reconhecida importância ao motociclo como meio de locomoção em geral e citadina em particular;
2 - em período anterior às recentes eleições autárquicas, assistiu-se finalmente (aleluia, aleluia), julgamos que na sequência da Deliberação da Assembleia Municipal nº 70/CM/2008 da CML publicada no competente Boletim nº 730 de 14.02 pg. 292 (36), a um incremento das zonas de estacionamento reservadas a motociclos em Lisboa.

Assim sendo mais poderemos estacionar porque mais zonas existem. Mas, face ao aumento do número de motociclos, estas áreas continuam insuficientes para responder à procura. O que fazer, então, quando as zonas reservadas estão cheias ? As apontadas alterações criam, ou reforçam, o argumento de, ao ser reconhecido ao motociclo estatuto de veículo preferencial é inadmissível criar-lhe constrangimentos ao estacionamento mais que os que decorrem da livre circulação de peões. Não se pode alegar favorecer o uso de motociclos na circulação para depois continuar a preferir o automóvel quando toca ao estacionamento. E, na impossibilidade de estacionar nos lugares reservados aos automóveis, porque a reacção da autoridade é mais imediata, se não existir nenhuma nesga de alcatrão passível de ocupação não nos resta outro expediente que ocupar o passeio, embora constitua ainda contra-ordenação (artº 49º nº 1 do CE) acarretando coima entre € 30,00 e € 150,00 ou mesmo de € 60,00 a € 300,00 se impedir a passagem de peões, bem como a perspectiva de remoção (artº 164º nº 1 al. c) e nº 2 al. d) do CE). Neste caso, embora o risco corra por conta de cada um, sugiro a aplicação das regras de estacionamento aplicáveis em Madrid (autorização de estacionamento no passeio, desde que este tenha largura superior a três metros e não seja zona reservada a descargas ou passagem de peões de forma paralela ao passeio e a não menos de cinquenta centímetros da sua borda e a mais de dois metros de uma passagem de peões ou paragem de autocarro, ou entre arvores) como podem aferir em www.madridmovilidad.es

in Motociclismo nº 224 de Dezembro 2009

Wednesday, November 24, 2010

Prescrição do procedimento contra-ordenacional

«Chamo-me Fernando Pereira, e sou assinante da Motociclismo. A minha dúvida consiste em saber o que posso fazer em relação a uma multa referente a Agosto de 2007, nesse dia estava com uns amigos na Expo e quando viemos embora pela rotunda de Moscavide, pelo viaduto para apanhar a 2ª circular, a PSP tinha o carro radar escondido à saída do mesmo e disparou o flash. Algumas dezenas de metros à frente fomos mandados parar, mas quando o agente tentou identificar o infractor em comunicação com o carro radar, este foi inconclusivo dizendo que não foi possível verificar a matricula, devido à velocidade. Para mal dos meus pecados, eu era o que estava mais perto do agente e apesar dele ter visto que eu tinha ouvido a conversa pelo comunicador, ele vira-se e diz que fui eu o infractor. Paguei a caução (500€) mas como depósito e fiz uma exposição ao Governo Civil nos 15 dias que se seguiram, até hoje não recebi nenhuma carta do IMTT, de sanção ou pena. Ora aqui está a minha dúvida qual o tempo para a prescrição, e como agir, visto que me informaram que caso não receba nada até à prescrição da mesma posso pedir para ser ressarcido do montante da coima.

Caro Fernando,

Esta coluna não tem espaço para incluir toda a análise sobre o regime da prescrição contido no Código da Estrada após Fevereiro de 2005. Colocarei tal matéria muito brevemente no Moto.Lex. Aqui adiantarei apenas o seguinte: neste caso, prescrição é a extinção do direito que o Estado tem de perseguir o responsável pelo cometimento de uma contra-ordenação pelo decurso de determinado período de tempo. O DL 44/2005 de 23.02 alterou o regime prescricional que o CE estatuia para as contra-ordenações estradais que remetia para o Regime Geral das Contra-ordenações. Por motivos de celeridade processual foi criado um regime próprio de contagem do prazo que simplificou o geral, estatuindo um prazo único de dois anos, sem quaisquer interrupções ou suspensões (aplicar as suspensões e interrupções do regime geral iria contra o espírito da lei que explicitamente declarou pretender a celeridade - vide preâmbulo do citado diploma).

Assim sendo, tal como redigiu uma exposição à entidade administrativa poderá agora endereçar à que lhe sucedeu nas competências - ANSR - requerimento para a devolução do depósito.»

in Motociclismo nº 222, Out.2009

Desenvolvimento do artigo:

Não resisto a partilhar convosco o despacho proferido no Proc. nº 6176/06.6TFLSB que correu termos pela 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o qual, pela sua clareza, resume toda a questão e resolve-a:

"Questão Prévia

Da Prescrição do Procedimento contra-ordenacional

O arguido Mário Joaquim de Matos Francisco recorreu da decisão da autoridade administrativa que o condenou pela prática de uma contra-ordenação rodoviária no dia 06/07/2005.

Importa determinar se a responsabilidade contra-ordenacional já prescreveu.

De acordo com o estatuído no artº 188º do Código da Estrada «O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se, por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação tenham decorrido dois anos».,

Assim, como desde a prática da contra-ordenação sub judice já passaram dois anos, há que decidir se tal circunstância basta para que o correspondente procedimento seja declarado prescrito ou se, pelo contrário, temos de ponderar a aplicação das causas de interrupção e suspensão do prazo prescricional previstas no regime geral das Contra-ordenações (RGCO 1) para concluir pela manutenção do procedimento.

A ponderação destas duas vias impõe-se, desde logo, porque o artº 132º do CE diz-nos que : «As contra-ordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações.»

Não se trata aqui de apurar se há uma lacuna na lei, pois o legislador enunciou um outro diploma como sendo subsidiariamente aplicável 2, mas trata-se, isso sim, de determinar se se pretendeu regular no Código da Estrada o instituto da prescrição de forma completa e esgotante.

Antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, o Código da Estrada nada estatuía acerca da prescrição das contra-ordenações rodoviárias. Por tal motivo, aplicava-se subsidiariamente o disposto nos artºs 27º e seg. do RGCO, quer no que respeitava aos prazos de prescrição (na generalidade, um ano, atentos os valores das coimas), quer quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Com a última reforma do Código da Estrada, existe agora um capítulo reservado à matéria da prescrição, integrado no título dedicado ao processo (artºs 188º e 189º).

Se o legislador pretendesse apenas fixar um prazo de prescrição diferente do consagrado no regime geral, então teria acrescentado que se aplicariam as causas de interrupção e de suspensão da prescrição previstas na lei geral das contra-ordenações, como disse, por exemplo, no artº 186º do CE (quanto aos recursos).

Porém, não nos parece ter sido essa intenção do legislador.

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 9º Código civil «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada»

Assim, socorrer-nos-emos da parte do preâmbulo do Decreto-Lei nº 44/2005 de 23.02, que importa para divisar qual o pensamento legislativo sobre a matéria:

«… Por outro lado, e porque as infracções ao Código da Estrada são actualmente infracções cometidas em massa e com especificidades próprias, para assegurar um incremento da eficácia do circuito fiscalização/punição, importa introduzir um conjunto de alterações ao nível da aplicação das normas processuais, porquanto verifica-se que a aplicação das normas do regime geral das contra-ordenações a este tipo de infracções permite o prolongamento excessivo dos processos, com a consequente perda do efeito dissuasor das sanções.

Pelo que se mostra necessário a introdução de normas processuais específicas, visando conferir maior celeridade na aplicação efectiva das sanções, de forma a reduzir significativamente o tempo que decorre entre a prática da infracção e a aplicação da sanção. »

Julgamos inequívoco, portanto, que o legislador quis fixar a prescrição do procedimento por contra-ordenações rodoviárias em dois anos, simplificando a contagem de prazos, mas nunca pretendeu aumentar os prazos prescricionais que, a aplicarem-se os regimes da interrupção e da suspensão previstos na lei geral, poderiam prolongar-se por 3 anos e 6 meses, mesmo numa contra-ordenação leve.

Assim, considerando que os factos ocorreram, segundo a autoridade administrativa no dia 06/07/2005 e que já decorreram dois anos sobre tal data, ao abrigo do disposto no artº 188º do Código da Estrada, declaro extinto por prescrição, o procedimento contra-ordenacional contra o arguido. "

Assim, o conselho que vos posso dar é: se acaso considerarem injusta uma autuação, não deixem de a contestar já que, pelos atrasos do sistema, acabam por ganhar, nem que seja por efeito da prescrição.

Sunday, October 10, 2010

Conduzir moto com carta de carro – II

E ao último dia os deputados votaram e aprovaram a Lei que alterava a Lei e viram que era bom. Regozijaram-se os mortais, exultaram os motociclistas, cantaram cânticos aos senhores deputados os representantes das marcas e os concessionários e grande foi a festança pois que a Directiva era de 1991 e andou perdida tendo, agora, encontrado o caminho de nossa casa.

Em verdade vos digo que, a partir deste dia, quem tiver carta de carro e ou mais de 25 anos ou a carta de “cinquentinha”, pode conduzir também, sem mais, motociclos de cilindrada não superior a 125 cm3 e de potência máxima até 11kW. Quem falhar ambas condições submeter-se-á a exame prático, sem obrigatoriedade de instrução suplementar. Correi pois, meus irmãos, correi e espalhai a boa nova.

Palavra de motociclista!

Acabada de publicar - Lei 78/2009 de 13 de Agosto - configura esta alteração ao artº 123º do Código da Estrada um caso em que saiu melhor a emenda que o soneto. O projecto do companheiro Miguel Tiago, transpondo a parte perdida da Directiva 91/943/CEE, foi aperfeiçoado, em sede de comissão especializada, isto é, entre a votação na generalidade e a votação final, tendo-se aligeirado as condições de admissão à condução. Razões decorrentes do bom senso levaram os deputados a considerar que, quem já tem carta de ciclomotor já sabe conduzir os motociclos em questão e, se tiver mais de 25 anos, já tem o discernimento para efectuar a opção de andar de moto ou não. Assim de exame obrigatório para todos foi aprovado poderem conduzir motociclos até 125cm3 (e de potência blá, blá, blá) os que já sabem (porque têm carta de automóvel e de ciclomotor) ou têm idade. Os restantes terão de esperar pela regulamentação do apontado exame prático que, de acordo com o texto legal, deverá sê-lo pelo Governo no prazo de 30 dias após a publicação da lei (13 de Setembro, portanto).

in MOTOCICLISMO nº 221, Set/2009

Thursday, August 5, 2010

CE – Limites de velocidade (escalões das infracções)

Cada vez mais a fiscalização sobre a condução dentro das localidades tende a melhorar e ser mais eficaz. A recente legislação que permite a utilização de controle vídeo veio contribuir para isso e, esperemos, um dia teremos uma fiscalização a sério que nos proteja, cidadão respeitadores, dos criminosos que contra nós atentam.

Embora não seja o factor decisivo, como muitas vezes é propalado pela propaganda oficial, a velocidade é de mais ou menos fácil verificação e cada vez mais noto a presença de radares e sensores de velocidade nos circuitos urbanos. Transgredir, em motociclo é incrivelmente fácil, quase diria que difícil é não transgredir. Para não lhe sofrer as consequências há que efectuar um esforço de contenção na velocidade instantânea. É que dentro das localidades a velocidade máxima não é mais que 50 km/h. Fora, já se pode circular a 90 Km/h, nas vias reservadas a automóveis e motociclos a 100 Km/h e nas auto-estradas a 120 Km/h.

As infracções estão divididas em três escalões: leves, graves e muito graves. As leves acarretam o pagamento de uma coima (€ 60 de mínimo) e, para além de figurarem no registo, nada mais relevam. Já as graves e as muito graves determinam, além do peso das coimas respectivas, uma pena acessória que pode ir de inibição de condução à cassação do título de condução ou seja, doem muito.

O limite da infracção leve (a partir do qual se torna grave) é de 20 Km/h acima do legalmente estabelecido, se dentro das localidades, e 30 Km/h nos restantes casos. O que significa conduzir até 70 Km/h dentro das localidades, até 110 Km/h fora das localidades, até 130 Km/h nas vias reservadas a automóveis e motociclos e até 150 Km/h nas auto-estradas. Noutras vias, como a 2ª Circular ou o Eixo Norte-Sul em Lisboa, não sinalizadas como reservadas e em que a velocidade máxima permitida está assinalada como de 80 Km/h, o limite da contra-ordenação leve encontra-se nos 100 Km/h (à cautela considerar como dentro de localidade).

Estou a convidar-vos à transgressão ? Claro que não. A lei é para cumprir. Aponto apenas os seus contornos para vossa informação.

in Motociclismo nº 179, Março / 2006

Monday, May 31, 2010

Novo regime dos contratos de crédito ao consumo

Em vigor desde 1 de Julho passado encontra-se o novo regime dos contratos de crédito aos consumidores que se aplica aos contratos de crédito celebrados após aquela data. Aos já celebrados aplica-se o regime anterior, com algumas excepções (não há como ler o próprio Decreto-Lei 133/2009 de 2 de Junho para ficar completamente informado). Transpondo a Directiva nº 2008/48/CE de 23 de Abril do Parlamento Europeu e do Conselho assenta em nove linhas de força:
1 - obrigatoriedade, por parte do credor de avaliar a solvabilidade do consumidor em momento prévio à celebração de contrato;
2 - incentivo à realização de transacções transfronteiriças;
3 - consagração do direito de revogação do contrato de crédito;
4 - uniformização da TAEG;
5 - instituição de uma ficha específica e normalizada sobre «informação europeia em matéria de crédito a consumidores relativa a descobertos, às ofertas de certas organizações de crédito e à conversão de dívidas»;
6 - instituição de uma mais eficaz protecção do consumidor em caso de contratos coligados, configurando-se uma migração das vicissitudes de um contrato para o outro;
7 - manutenção da responsabilidade subsidiária de grau reduzido do credor, em caso de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda ou de prestação de serviços;
8 - estabelecimentode novas regras aplicáveis ao incumprimento do consumidor no pagamento de prestações, impedindo-se que, de imediato, o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, na linha do disposto nos artigos 934.º a 936.º do Código Civil;
9 - estabelecimento da proibição de consagração de juros elevados, sob pena de usura.

Se a maior parte do diploma nos parece, de facto, fortalecer a posição do consumidor, nomeadamente pelo enorme reforço da obrigação de informar o consumidor por parte da entidade financeira (o credor) na fase anterior à celebração do contrato e no próprio contrato, fazendo mesmo depender a validade do contrato do seu estrito cumprimento, é no que toca ao direito de revogação do contrato por parte do consumidor nos 14 dias posteriores à celebração do contrato ou da recepção por este do seu exemplar, se ocorrer depois, que se nos levantam maiores dúvidas uma vez que a redacção do preceito que explicita a repercussão dos efeitos do contrato de crédito no de compra e venda enferma de erro técnico grave, na nossa modesta opinião, que impede que a revogação do contrato de crédito acarrete a revogação do contrato de compra e venda. Morto um e vivo o outro antevemos grossa confusão no sector com a adopção de soluções necessariamente arrevesadas para endireitar o que nasceu torto.

in Motociclismo nº 220, Agosto/2009

Monday, March 22, 2010

"Filtering" e culpa

«Circulava na IC19 entre a faixa da esquerda e a do meio (no meio dos carros sim) e eis que um condutor sem sinalizar a manobra me corta a trajectória e embate em mim (saiu da faixa da esquerda para se colocar na do meio)… Felizmente vinha devagar e não tive grandes danos físicos… foi tão rápido que não tive tempo de travar, apitar, nada… apenas desviar me um pouco e aguardar o embate…

A minha questão prende-se com o seguinte… Neste panorama de ilegalidade (eu não posso ir onde vou, ele não “pode” mudar de direcção sem fazer a respectiva sinalização) como fica a culpa?

Nuno Agostinho»


Caro Nuno
Sem contar com o problema da prova dos factos (a verdade só possa a ser a verdade do processo depois de ser provada), dando por estabelecidos os factos tais como relatados, a culpa pode ficar apenas do lado do condutor que, em violação do dever de cuidado e do dever de sinalização mudou de via de trânsito. É que a afirmação "eu não posso ir onde vou" pode estar incorrecta. Já aqui expendi sobre a possibilidade do "filtering" ou seja, a circulação entre carros (Motociclismo nº 170, Jun/2005). Nessa altura concluí que, em caso de tráfego intenso em faixa de rodagem que permita mais do que uma via no mesmo sentido se admitirá a passagem pelo meio dos veículos se o motociclo se mantiver na sua via (a da direita ou a central, por ex.). Deste modo estará a passar pela esquerda o veículo que se encontra na sua via e, de acordo com o artºs 42º e 15º nº 1, ( casos em que devido à intensidade da circulação a velocidade de cada um está dependente da do veículo que o precede) essa manobra não é considerada ultrapassagem para os efeitos previstos no Código. Hoje digo mais. Se não é considerada ultrapassagem não se coloca o problema de pela esquerda ou pela direita. A questão centrar-se-á na distância lateral que devemos manter em quantidade suficiente para evitar acidentes (artº 18º CE) embora também seja de levar em consideração a proibição de sair da respectiva fila de trânsito para outra mais à direita (artº 15º CE).A seguradora do outro tentará, certamente, dividir a culpa.

in Motociclismo 219, Jul/2009